quinta-feira, 14 de junho de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O rítmo do velhinho

por Kywsy Santos
          Serra Grande - RR   (desconheço o autor da foto)

Era o segundo que sumia agora do fogo de conselho, era o segundo que esperava por nós. A longa fila que subiu a Serra Grande naquele inverno seguiu rumos diferentes e não sobrou um só que compartilhasse do mesmo destino. A fogueira apagou sob a chuva torrencial que varria a serra, mas o fogo, esse continua aceso em nossos corações embalado pela canção que promete: “...um dia, junto ao fogo, voltaremos a nos ver”. Sublime essa magia que une mentes e corações em uma mesma canção, sublime essa entrega, de corpo e alma, a um propósito que, ás vezes, só você compreende.

O tempo passa e confunde a memória, as coisas realmente importantes ficam guardadas, empoeiradas, à espera que a vida nos faça lembrar outra vez. E ela faz, é isso que ela faz melhor. Num instante não existe mais passado, presente ou futuro e tudo acontece ali mesmo, ao mesmo tempo, onde você está. Você está subindo a serra, se arrastando, desafiando todos os limites do seu corpo, o coração explodindo no peito, até que chega ao ponto de repouso, senta numa pedra e se curva pra pegar um pouco de água, bem a tempo de ouvir uma voz: “Fim do repouso... Todo mundo no ritmo do ‘velhinho’!!!” E recomeça a marcha... É assim que, ao comando do “velhinho”, muitos jovens (ou nem tão jovens, como eu) viveram alguns dos seus melhores momentos.

Quando o primeiro de nós se foi, eu não pude escrever, ainda não posso. Me dilacera a alma a ideia desse amigo tão querido partir tão jovem, com tantos planos... enfim, ainda não é fácil. Mas, agora é diferente, ainda que seja sofrido, ainda que a saudade me faça chorar de vez em quando. A gente se despede de uma vida que foi bem vivida, de alguém que tinha um corpo envelhecido e um coração de menino arteiro, de um ‘velhinho’ que queimou o pavio da vida até o fim... e foi quase tudo que queria ser... e viveu quase tudo que queria viver.

A última vez que o vi, no hospital, muito alegre, ele disse que ainda tinha um sonho: comprar um trailer e “fazer a América do Sul”, ir parando, acampando, conhecendo as pessoas, conversando... Esse sonho aí não deu pra ele realizar nessa vida, mas, quem sabe nas próximas. Ainda assim, me parece bom viver quando penso em todos os sonhos que esse 'velhinho' realizou pra si e para os outros... os outros, mesmo, sabe? Não necessariamente alguém da sua família. Ou, sei lá, ele apenas tivesse uma família um pouco maior... talvez, do tamanho do seu coração.

“...um dia, junto ao fogo, tornaremos a nos ver”(8)...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Te confio um segredo...

por Kywsy Santos

"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Prefiro trabalhar com a verdade, a mentira não é uma opção aceitável, existe ainda o silêncio, a distância, a privacidade e um sem fim de opções intermediárias, mas, a verdade tem lá as suas vantagens... Uma delas é a acessibilidade e a clareza: a verdade é fácil! É sempre a mesma, a primeira informação ao alcance do cérebro. "Foi assim, dessa forma, nesse momento e por esse motivo" - fácil, clara, objetiva e nunca muda, ou seja, perfeita! Quase perfeita...

Toda comunicação é uma  troca entre alguém que passa uma mensagem e alguém que recebe. Também existe o código, o formato da mensagem, que deve ser compreensível para todos os envolvidos. No que tange ao código, muitos acreditam que trata-se apenas da linguagem, do 'signo' utilizado, ou da compreensão do universo cultural dos envolvidos, mas, deixando a erudição acadêmica um pouco de lado, penso que a vivência pessoal de cada um, os seus valores (ou a completa falta deles) infuenciam diretamente o resultado de qualquer comunicação. O problema da verdade é "o outro". 

Eu explico: toda verdade é frágil e perfeitamente manipulável no confronto com o olhar do outro, porque o sentido e a intenção vão se revelar a partir desse universo e não daquele que lhe deu origem. E quando, inevitavelmente, ela é submetida a uma cadeia sucessiva de livres interpretações... que Deus tenha piedade de nossas boas intenções. A minha verdade pode assumir mil faces, assim como a tua e a de todos os outros. Cuida dela com carinho e não a confia a quem não pode compreendê-la. Somos frágeis...

“–  Eu, D. Assunta da Abadia, viúva triste, venho trazer, pela mão, conforme o prometido, o meu filho – Eusébio da Abadia”...        (Nelson Rodrigues).


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Aventura

por Kywsy Santos

Era mais fácil viver nos tempos que já se foram, haviam mundos a ser descobertos, batalhas a vencer, barreiras sociais intransponíveis que teríamos que derrubar, amores que valiam cada gota de sangue de nossas vidas miseráveis, enfim, havia paixão!!! A vida que se vivia mexia com cada corda desafinada das nossas entranhas. Era mais fácil viver...

Espero te ver.  A montanha, vista de perto, é tudo menos uma montanha.  O olhar minucioso é bom, mas também engana.  Existe a sombra e a luz, a Rosa dos Ventos, mas, a montanha é muito mais que a soma dos seus detalhes, que o mapeamento de todos os seus espaços.  Também existe a história e ela explica muita coisa, ainda assim, é apenas um recorte, um modo de olhar, não é a montanha, nunca será.  Todas as vezes que olho, todas as vezes que busco, sempre encontro algo novo... Então, porque a pressa? 

Ainda ontem, um gesto, apenas um toque, me engessou pra sempre na tua memória. Agora eu tenho um rótulo, um significado, estou presa às teias de tua memória como uma personagem classificada de um museu de insetos e, sempre que me olhar, vais saber que sou o número 108.349,  do livro  232,  volume 7,  da tua coleção de seres peçonhentos e, graças a esse modo peculiar de olhar, tudo que vier de mim: é veneno. Daqui de onde estou, posso me ver num vidro fechado, esquecido nos fundos de um laboratório, sobre uma prateleira velha, empoeirada e cheia de teias, saltando, agitando os braços e gritando quase sem voz:  Por favor, olha outra vez!!!


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Palavras

de Kywsy Santos

Um dia sonhei que estava de pé à beira de um lago. Era uma visão de seca, típica do nordeste brasileiro. O chão, de barro rachado, se estendia até o infinito. Não havia água no lago, apenas um pouco de lama, uma lama espessa, da mesma cor vermelha do barro que se estendia por toda parte e, no centro do lago, dentro dessa lama, havia uma árvore morta, apenas um tronco oco de pé, e um tabuleiro - desses que se vê muito pelo nordeste, onde se vendem doces pra criançada. Eu me aproximava do tabuleiro que estava cheio de pequenos papeis brancos dobrados e jogava dentro dele um bilhete. Era um pedaço de papel amarelo dobrado em quatro. Depois, olhava em volta e percebia que a lama, todo o lago, estava coberta de cadáveres, uns sobre os outros, mergulhados no vermelho do barro. Rapidamente, avancei sobre o tabuleiro e resgatei o meu papel. Entendi que aquelas pessoas tinham sido vitimadas pelo que haviam escrito em seus bilhetes. Abri meu papel e li: 
"Estou morrendo de saudades".





.Foto de Bené França.
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