quinta-feira, 10 de maio de 2012

O rítmo do velhinho

por Kywsy Santos
          Serra Grande - RR   (desconheço o autor da foto)

Era o segundo que sumia agora do fogo de conselho, era o segundo que esperava por nós. A longa fila que subiu a Serra Grande naquele inverno seguiu rumos diferentes e não sobrou um só que compartilhasse do mesmo destino. A fogueira apagou sob a chuva torrencial que varria a serra, mas o fogo, esse continua aceso em nossos corações embalado pela canção que promete: “...um dia, junto ao fogo, voltaremos a nos ver”. Sublime essa magia que une mentes e corações em uma mesma canção, sublime essa entrega, de corpo e alma, a um propósito que, ás vezes, só você compreende.

O tempo passa e confunde a memória, as coisas realmente importantes ficam guardadas, empoeiradas, à espera que a vida nos faça lembrar outra vez. E ela faz, é isso que ela faz melhor. Num instante não existe mais passado, presente ou futuro e tudo acontece ali mesmo, ao mesmo tempo, onde você está. Você está subindo a serra, se arrastando, desafiando todos os limites do seu corpo, o coração explodindo no peito, até que chega ao ponto de repouso, senta numa pedra e se curva pra pegar um pouco de água, bem a tempo de ouvir uma voz: “Fim do repouso... Todo mundo no ritmo do ‘velhinho’!!!” E recomeça a marcha... É assim que, ao comando do “velhinho”, muitos jovens (ou nem tão jovens, como eu) viveram alguns dos seus melhores momentos.

Quando o primeiro de nós se foi, eu não pude escrever, ainda não posso. Me dilacera a alma a ideia desse amigo tão querido partir tão jovem, com tantos planos... enfim, ainda não é fácil. Mas, agora é diferente, ainda que seja sofrido, ainda que a saudade me faça chorar de vez em quando. A gente se despede de uma vida que foi bem vivida, de alguém que tinha um corpo envelhecido e um coração de menino arteiro, de um ‘velhinho’ que queimou o pavio da vida até o fim... e foi quase tudo que queria ser... e viveu quase tudo que queria viver.

A última vez que o vi, no hospital, muito alegre, ele disse que ainda tinha um sonho: comprar um trailer e “fazer a América do Sul”, ir parando, acampando, conhecendo as pessoas, conversando... Esse sonho aí não deu pra ele realizar nessa vida, mas, quem sabe nas próximas. Ainda assim, me parece bom viver quando penso em todos os sonhos que esse 'velhinho' realizou pra si e para os outros... os outros, mesmo, sabe? Não necessariamente alguém da sua família. Ou, sei lá, ele apenas tivesse uma família um pouco maior... talvez, do tamanho do seu coração.

“...um dia, junto ao fogo, tornaremos a nos ver”(8)...