sábado, 21 de novembro de 2009

Pluma Azul

por Kywsy Santos
Ele não sabia, mas, cada passo seu que cruzava o caminho dela deixava um rastro de luz perdido, flutuando como uma pluma no mundo escuro e profundo que ela havia escolhido para si. A primeira vez, ela tentou soprá-lo pra longe, mas o rastro esquecido brilhava, flutuava, girava, e permanecia. Então ela resolveu esquecê-lo, ignorar o rastro azul até que ele se desfizesse. Ignorar sempre dava certo, tudo some quando é ignorado, até a luz teria sumido, mas... Ele atravessou novamente o seu caminho (provavelmente ignorasse o risco, ou fosse cego, talvez). Passou essa e muitas outras vezes e, como sempre, deixava um rastro de luz azul, insistente, flutuando em sua sala. Até que o brilho de todos esses instantes distraídos não pode mais ser ignorado e ela passou a esperar pelo próximo brilho, pela próxima pluma azul. A esperar como uma criança. Talvez, esse seja o verdadeiro sentido da palavra "esperança": esperar como uma criança.
A luz, que agora se apossava de cada espaço relativo da sua existência, produzia uma sensação de aconchego, quente, gostosa, que ela não se lembrava, mas tinha certeza que já havia vivido. Sentiu vontade de pisar o mundo inteiro com pés distraídos que deixam rastros de luz. Sorriu. Percebeu que sorria outra vez, então sorriu novamente, agora, porque descobriu que ainda podia sorrir. As plumas brilhantes começaram a dançar como se um vento forte as sacudisse por todos os cantos da sala, mas não havia vento, só luz, e ela dançou e flutuou com as plumas, como se estivesse no céu. Ela celebrou esse momento.
Estava sorrindo ainda quando ele chegou. Contam que ele se aproximou devagar, com passos indecisos e um olhar diferente. Havia passado tantas vezes naquele mesmo ponto e jamais havia percebido tanta luz. Sentiu-se traído, compartilhara tudo que havia trazido consigo e havia recebido tão pouco... Ela não viu quando ele recuou e pela primeira vez desviou do seu caminho. Não soube que havia se tornado uma estranha no mesmo instante em que se havia descoberto tão igual a ele. Continuou sua dança até perceber que sua espera era em vão. Sentiu medo. Um vento frio soprou em suas costas. O frio pedia que se abrigasse, o medo, que se escondesse.
Contam que ele ficou mais arredio a cada dia, o tempo todo estudando, o tempo todo trabalhando. Quando sumiu, ninguém percebeu ou sentiu muito a sua falta. Até que um dia, enquanto rabiscava uns versos, ela passou. Havia tanto tempo... Ele nem lembrava direito. O que ela dissera mesmo? Oi? Passou como se nada houvesse acontecido, do jeito que veio, se foi. Ele não queria lembrar. Tentou ignorar sua presença nessa e em todas as vezes em que ela passou, mas não conseguiu, havia algo estranho nesse passar, cada passo dela que cruzava o seu caminho deixava um rastro de luz perdido, flutuando como uma pluma no mundo escuro e profundo que ele havia escolhido para si.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

As palavras se criam sozinhas...

por Kywsy Santos
Não é como um jardim, é como a mata virgem: as palavras se criam sozinhas, nascem espontaneamente empurradas pela vontade desesperada de vencer a impossibilidade, o terreno estéril, a falta de sol...
Se alimentam do impossível, resistem às ausências, esperam secas pela próxima chuva - resistem.
Depois, é florecer, frutificar, gerar sombra e, ainda que não se alcance a promessa exuberante da semente, a vida acontece. E o processo - o caminho que se trilha, as trocas, o apredizado, o amor - pode ser tão rico, e é tão peculiar, que a gente pensa que jamais poderia ser escrito de outra maneira, e a gente pensa até que o texto é nosso...