quarta-feira, 23 de junho de 2010

Deserto

por Kywsy Santos
Caminho por uma trilha estreita no meio da mata. Choveu recentemente e, à medida que desço, um fio de água acompanha meus passos. O passo é cadenciado ao rítmo da respiração. O passo, as pedras, a folhagem espessa, tudo se mistura e se transforma à medida que avanço. Existe uma certa pressa, preciso estar lá antes que a próxima onda me alcance. Existe um cheiro de vida no ar, um verde indecentemente despido, um brilho em cada folha orvalhada... como o suor que me escorre... Não posso divagar, preciso estar lá antes que... Me apoio em um cajado improvisado, o peso que levo nas costas me ajuda a descer mais rápido, às vezes rápido demais. Um grupo de macacos me observa do alto, depois se vão, alguns pássaros e lagartos também, não é comum tanta pressa rasgando essa vegetação adormecida. As folhas debruçam-se sobre o meu corpo como a pedir que reconsidere, tocam minha face, sussurram, vejo uma pequena orquídea... A decisão já foi tomada - prossigo. Não sei se choro, não, não é necessário. O coração disparado já se expressa claramente em meus olhos, na minha boca ofegante, na respiração, no suor... Estaria suando, ou fora a chuva, a mata, as folhas, o cheiro de vida? Apresso o passo, um pássaro cantou ao longe, as aves estão voltando para o ninho, entardece rápido. Preciso correr, na mata fechada a noite desaba sobre nós sem avisar. Preciso chegar... aumento o rítmos dos meus passos, as pernas fraquejam, "tombo como uma árvore", levanto, ajusto o corpo - prossigo. Só preciso atravessar a linha, chegar do outro lado, e... Falta pouco, eu sinto a sua presença agora muito mais próxima... O fio de água me deixou há algum tempo, a mata ficou pra trás com seus animais, suas folhas e cada pequena flor a ser descoberta... Agora corro. Mais rápido, mais rápido... a vida não devia oferecer um sonho que não se pode alcançar... Corro mais. Está perto, quase posso tocá-lo... A linha ficou pra trás, a onda nunca mais me alcança. Olho ao redor, nada. Nenhuma respiração além da minha. O vazio se estende por toda parte, por todos os tempos. Não há mais nada, não há sequer memória do que ficou pra trás. Prossigo.

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